Estamos em 1914… Manuel Mendes da Conceição Santos está a viver de um certo cansaço, depois de tantas lutas que teve de empreender até esse momento; se recuarmos na história, encontramos uma criança que entra no Seminário e pouco tempo depois vai para sua casa para se recompor de fragilidades de saúde; à hora em que tudo está previsto para ir para Roma, adoece novamente e só poderá ir no ano seguinte; após três anos de estudo em Roma, onde a sua inteligência, espírito de sacrifício e profunda intimidade com o Senhor suprem o que falta à saúde, regressa ao seu país natal, onde integra a equipa formadora do Seminário Patriarcal de Santarém e o seu quadro docente, ao qual vem posteriormente a complementar a docência no Liceu Nacional de Santarém.
Em 1905 é enviado para a Guarda como Vice-Reitor do Seminário, acumulando, posteriormente, o governo da diocese, a administração da tipografia e o seu trabalho jornalístico, missionário e espiritual ao serviço da cidade e da Diocese da Guarda, em momentos de particulares alterações na sociedade portuguesa, com o aumento das forças maçónicas contra a Igreja e a implantação da República em Portugal….
Neste contexto, o jovem sacerdote coloca-se diante de Deus e recoloca a possibilidade de se tornar membro de uma comunidade religiosa, integrando a Companhia de Jesus. O seu coração está dividido. Enquanto a Igreja em Portugal é chamada a dar a conhecer a vida e as virtudes do sacerdote a fim de ser elevado ao episcopado, ele coloca-se diante de Deus, olha para o seu interior e, sem perder tempo a pensar na possibilidade de ser Bispo, ganha virtude a pensar na forma e no lugar onde poderá crescer na intimidade com Cristo e na sua santificação.
Depois de analisar e transcrever as vantagens e desvantagens de viver o seu sacerdócio de forma secular, ocupa-se, na sua oração, de procurar discernir as vantagens e desvantagens de ser sacerdote religioso. Nos seus apontamentos espirituais podemos ler: “Vantagens sendo sacerdote religioso: 1ª, ficaria inteiramente tranquilo em minha consciência com respeito aos ministérios que devo exercitar ou deixar de exercitar; 2ª, estaria mais unido com Deus e teria mais facilidade em aprender a fazer oração que me é tão necessária; 3ª, estaria livre das agitações que traz consigo o concurso a benefícios e livrar-me-ia da probabilidade de subir a honras, para o que sou muito propenso; 4ª, no desprezo com que o mundo olha os religiosos teria um remédio para o desejo que tenho de ser estimado; 5ª, no recolhimento da vida religiosa teria mais ocasião de pensar na minha vida, reconhecer a gravidade de meus pecados e chorá-los sinceramente; 6ª, tenho de ser contrariado em muita coisa e terei assim a satisfação de fazer a vontade de Deus por amor d’Ele; 7ª, vejo na religião muito mais segurança para cumprir os deveres sacerdotais e especialmente os que respeitam a castidade e piedade; 8ª, terei, nos Santos da Ordem, um estímulo muito especial para me santificar; 9ª, muitas vezes eu tenho sentido desejos de abraçar este estado e os motivos foram principalmente os seguintes: a) Quando eu era pequeno li muitas vidas de santos e o seu exemplo fazia-me ter desejos de deixar o mundo e de seguir uma vida mais perfeita; b) Ao ver os atos de virtude que se praticam numa casa religiosa e a paz que aí reina, tenho, por vezes, sentido o mesmo desejo; c) Vendo a felicidade de que gozam os religiosos ainda mesmo pelo que diz respeito ao temporal (estão livres de cuidados) vem-me o desejo de imitá-los; d) Desejando, às vezes, dar-me inteiramente a Deus, vejo que é na vida religiosa que eu o poderia fazer sem impedimentos; e) Encanta-me aquele abandono de si mesmo que se pratica nas ordens religiosas e quereria também eu ser assim; 10ª) Sinto por vezes uma espécie de temor instintivo de que cessem aquelas causas que me impedem de entrar em religião, o que prova, talvez que, no meu íntimo, estou convencido de que é para ali que Deus me chama; 11.ª) Evitaria os riscos e as responsabilidades da vida paroquial.
Desvantagens de ser religioso: 1.ª) Não poderei prestar à diocese os serviços que o Prelado de mim esperava; 2.ª) A minha compleição não é das mais fortes e por isso não poderia com grandes rigores; 3.ª) Receio que, fazendo-me religioso, me mandem coisas que me custem muito, como seria talvez ir para as missões; 4.ª) Custa-me bastante deixar a convivência de certas pessoas com as quais tenho relações de amizade muito estreitas; 5ª ) Não poderei fazer certas obras em serviço da boa causa, que tenho planeadas com alguns sujeitos que também vieram de Roma; 6.ª) Custar-me-ia muito o exercício da pobreza como S. Afonso a descreve no seu Opúsculo sobre a vocação (§ IV — 1.°); 7.ª) Receio não ficar inteiramente tranquilo ao entrar em religião, por causa de ter de estar sempre (ao menos nos exercícios) a fazer novas eleições, com respeito a uma ou outra coisa; 8.ª) Receio uma grande humilhação se não for perseverante; 9.ª ) Não poderia ajudar minha família que hoje está reduzida à pobreza e espera de mim que a ampare, e, especialmente minha Mãe, cuja vida tem sido um martírio prolongado, como creio que há poucos. Entretanto se não precisasse de mim talvez se resignasse”.
Quanto discernimento encontramos nós nestes apontamentos… quanta lucidez e busca sincera da vontade de Deus, não obstante as circunstâncias pessoais e sociais que está a viver…
A Postulação